domingo, 23 de novembro de 2008

"Cantantibus organis Caecilia Domino decantabat dicens..."



"Segundo uma "Paixão" publicada no século V para satisfazer a curiosidade dos peregrinos que visitavam a primitiva Igreja "in Trastévere" dedicada à sua memória em Roma, Cecília, desposada contra vontade por imposição de seus pais, cumpriu o voto de castidade, já anteriormente formulado fazendo saber a Valeriano - o noivo - que a sua alma, bem como o seu corpo, estavam consagrados a Deus.

Valeriano sentiu-se tocado pela pureza daqueles propósitos e, não só prometeu respeitar tais votos, como, procurando o venerando bispo Urbano, que exercia o ministério sacerdotal escondido nas catacumbas, recebeu das suas mãos o baptismo.
Ao regressar, encontrou Cecília em oração e um anjo a seu lado. Este, que tinha duas coroas na mão, colocou uma sobre a cabeça da jovem e a outra sobre a de Valeriano. Penetrado pela graça, o nobre príncipe romano, anima seu irmão Tibúrcio a receber igualmente o baptismo.
Entretanto recrudescia a perseguição aos cristãos e os dois irmãos davam-se à piedosa missão de recolher os corpos daqueles confessores da fé a quem as autoridades imperiais recusavam um lugar nos cemitérios. Pouco depois foram também eles presos e decapitados. Por sua vez, Cecília foi igualmente presa por ter ousado dar-lhes sepultura na sua "vila" da Via Ápia onde, com grande fervor, exercia a caridade acudindo aos pobres e protegendo os perseguidos.
Colocada perante a alternativa de sacrificar aos deuses de Roma ou a morrer, não hesitou e dispôs-se ao sacrifício. Quando, durante os interrogatórios, o prefeito Almáquio lhe lembrava ter sobre ela direito de vida e de morte, respondeu : "É falso, porque podes dar-me a morte, mas não me podes dar a vida."
Almáquio condenou-a a morrer asfixiada por vapor mas, como Cecília sobreviveu a esse suplício, ordenou que lhe cortassem a cabeça. O carrasco, por imperícia ou por ter vacilado ante a serenidade angélica da condenada, depois de três golpes sucessivos não chegou a decepar a formosa cabeça deixando a mártir em dolorosa agonia.

Só passados três dias exalou o último suspiro e todos quantos haviam presenciado o modo sublime como aceitara tamanha provação, convertidos por tal exemplo à mesma fé, suplicavam a sua intercessão para que, na hora suprema, tivessem o mesmo valor e heroísmo por ela demonstrados, mesmo nas maiores angústias.
Nas "Actas" do martírio de Santa Cecília, que se crê tenha ocorrido no ano de 230, lê-se :
Enquanto ressoavam os órgãos, a Virgem Santa Cecília, no íntimo da sua mente, só a Deus se dirigia e cantava : "Permiti, Senhor, que o meu coração e o meu corpo permaneçam imaculados ", tradução da frase original assim iniciada - " Cantantibus organis Caecilia Domino decantabat dicens..."


Henrique Fernandes (1987) Em Louvor de Santa Cecília. Ponto e Contraponto

Santa Cecília é a padroeira dos músicos. Embora seja no dia 22 de Novembro que se celebra, não quiz deixar passar... aqui fica a referência.

3 comentários:

Anónimo disse...

É uma história impresionante! Porque tb tenho uma "veia" musical, sempre tive devoção à Santa, mas não conhecia os promenores da história. Que coragem. E hoje hesitamos por tão pouco. Que coragem! Fortalece-nos Senhor...
NPita

Anónimo disse...

Desconhecia esta história, mas como o saber não ocupa lugar, sinto-me mais rica depois desta leitura... E principalmente porque durante alguns anos dediquei parte do meu tempo a actividades musicais, por enorme gosto...
Ao mesmo tempo sinto-me impressionada com a coragem ali descrita... Faz-nos pensar no quanto somos fracos...
Obrigada por este texto!!!!
AS

Storyteller disse...

Peço desculpa por discordar e o meu comentário ser tão pouco a propósito do tom deste blog, mas não tenho muita paciência para os santos. Acho que procuravam protagonismo... Estou a brincar! Aqueles primeiros tempos de Cristandade não deveriam ser fáceis. E bater-se até ao fim por algo em que se acreditava é mesmo de enorme coragem.
Aliás, eu gosto muito de uma personagem da nossa História, que se bateu até ao fim por aquilo em que acreditava e que, até mesmo na fogueira, nunca renegou os seus pensamentos. Mas como é considerado um herético pela Igreja Católica, apesar de ser um frade dominicano, não sei se posso falar dele... De qualquer forma, aqui fica a minha admiração por Giordano Bruno.